quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

A FAVELIZAÇÃO NAS PEQUENAS E GRANDES CIDADES

O nascimento das cidades em tempos remotos, já trazia em sua própria formação a desigualdade social. Seu nascimento já implicava num grande aglomerado de pessoas, resultado da produção de excedentes que determinou a divisão entre cidade e campo, entre produtor rural e artesão, entre quem governa e é governado e a apropriação da riqueza, por uma classe dirigente e proprietária. Bem diferente das antigas aldeias comunais que a precederam. Se tornarmos a conhecida política do “panis et circensis” promovida pelos imperadores em Roma, que era uma forma de diminuir a tensão social latente no espaço da cidade. Ora, se onde morava esta população objeto da referida política? Nos espaços destinados aos excluídos, nos bairros periféricos. Desta forma, percebemos que a favelização, não é um fenômeno novo e que está longe de acabar.
Se dermos um salto histórico, a partir do momento do recrudescimento das cidades após o período do predomínio do campo característico do mundo feudal, veremos que a riqueza móvel, a intensificação do comércio e a produção para o mercado, típico do modo de produção capitalista, impôs o crescimento intenso e desordenado das cidades levando, o estado classista a não investir em infra-estrutura básica e permitir que grandes aglomerados de pessoas de baixa renda se comprimissem em minúsculos casebres com paredes nuas, carecendo do mínimo de segurança, iluminação, escola, transporte, fornecimento de água etc.
Para se ter uma idéia do progressivo e incontrolável processo de crescimento das cidades e a conseqüente favelização de espaços urbanos, é só observarmos a profunda atualidade do fragmento de um texto do livro lançado pela EDUSP, editora da Universidade de São Paulo em 1977: ANTROPOLOGIA SOCIAL de Gadamer-Vogler na página 215:
A concentração da população em cidades é sinal característico da era moderna. No início do século XIX, provavelmente menos de 5% da população mundial vivia em cidades com 20.000 habitantes ou mais. No total havia 27 ou 28 cidades com mais de 100.000 habitantes. Cento e cinqüenta anos mais tarde, no ano de 1950, 21% da população mundial viviam em cidades com mais de 20.000 habitantes e o número de cidades com mais de 100.00 habitantes elevou-se 875. Hoje já são mais de 1.000. Nos primeiros 2/3 desde período de tempo, o acelerado crescimento de cidades limitava-se praticamente à Europa. Ao final do século XIX, no entanto, este fenômeno também foi adquirindo importância para as assim chamadas regiões em desenvolvimento. Ali o crescimento ultrapassou em muito o da Europa do século passado; em muitos desses países o índice de crescimento após a II Guerra Mundial coloca-se acima de 5%. Enquanto o crescimento nos países ocidentais teve sua marca máxima há aproximadamente 50 anos, a tendência nos demais países do mundo é ainda de ordem crescente. Nas áreas de rápida urbanização ainda não encontramos indícios de uma desaceleração do desenvolvimento.
Pelo contrário, o crescimento da população urbana no Brasil só fez crescer ao longo dos últimos séculos. No final do século XIX, um razoável contingente populacional recém libertado da escravidão, migrou para os centros urbanos em busca de alternativas de sobrevivência e sem a assistência do novo estado republicano, contribuíram intensamente para a formação das favelas nas cidades de todo país.
Ao longo do século XX, vários eventos externos ao país, como duas guerras mundiais consecutivas e a migração de investimentos das grandes multinacionais para os países periféricos, tornaram o Brasil um país inicialmente de vocação agrária imposta pelos ciclos monocultores voltados para os interesses externos desde a colônia e continuando com a novíssima república com a cultura do café, num país de metrópoles!
Durante a década de 70, em pleno regime militar, o sul do país, especialmente São Paulo, foi o grande receptador do emigrante nordestino banido pelas secas e as pressões latifundiárias de sua terra natal em busca do sonho, das oportunidades que os grandes centros propõem aos seus novos habitantes.
Tornam-se deste modo vítimas da incapacidade do poder público de organizar a ocupação do espaço urbano. A necessidade de sobreviver se impõe e favelas surgem de forma incontrolável junto a espaços próximos a bairros de elite e desnudam o contraste social no simples olhar panorâmico onde arranha-céus e casas suntuosas, convivem praticamente no mesmo espaço onde casebres marrons desprovidos de reboco se amontoam.
A produção da pobreza é estrutural qualquer sociedade baseada na divisão de classe em qualquer tempo histórico, especialmente no moderno sistema capitalista, que impôs a definitiva expropriação da classe trabalhadora, do domínio dos meios de produção naturais e artificiais, colocando a força de trabalho na condição de mercadoria, sua única propriedade. Junto a isso a democracia burguesa instituiu o salário mínimo que numa cínica generalização ideológica deveria servir para o trabalhador comer, vestir e morar.
Desse modo, por razões históricas que não convém aqui aprofundar o estado aparece como mediador autônomo e neutro entre classes que se contradizem, mas que em essência reproduz os interesses hegemônicos.

Muitos são os motivos e variadas são as situações em que espaços urbanos de grande, médio e até de pequeno porte assistem o nascimento de favelas. Às vezes, o esgotamento da extração de um minério ou a decadência de qualquer atividade anteriormente próspera.
O que se discute é de que forma o estado em suas várias esferas e formas vai lidar com este problema. A reinserção das pessoas no mercado de trabalho, a melhoria da condição de moradias ou mesmo sua construção, a realização de obras de infra-estrutura, a eliminação do tráfico, tudo isto culminará com a ocupação de funções que o estado burguês simplesmente desprezou ao longo dos anos em nosso país. Isto se tornou uma tarefa gigantesca e que dependerá da sociedade civil como um todo.
Os órgãos oficiais do poder executivo, excluindo de natureza educativa, têm uma abordagem das populações pobres urbanas com objetivos claramente calcados no mandonismo político. Ou seja, atuam no sentido de perpetuar o seu domínio impondo uma política de manipulação eleitoral, do estado burguês representado por figuras políticas aparecem como benfeitoras. Como evitar o mandonismoo imbuído nas ações públicas? Como abordar a favela através de ações do estado que levem ao respeito da diversidade das minorias étnicas, sexuais e de gênero, se quando o poder executivo o faz é para repetir o esquema de dominação?
O poder executivo tem o apelo de realizações de obras de infra-estrutura física do universo dos favelados. Quando as fazem não estão devidamente instrumentados para uma abordagem humanista das populações objeto de sua ação.
As instituições de ensino, principalmente as universidades, sem desmerecer a rede pública do ensino fundamental, é que podem ter um papel diferenciado na abordagem dos problemas estruturais que penalizam as favelas. Esta diferenciação de expressa na produção do conhecimento que leve em consideração os aspectos culturais e singulares da população pobre das cidades.
Um estudo de caso sugerido como fonte de inspiração para este trabalho, coloca que 64% da população pobre das grandes cidades estão fora das favelas. Onde estão morando estes pobres, se em notícia recente foi dito que no Rio de Janeiro existem 916 favelas?
A discussão da definição da pobreza deve ser objeto do diletantismo intelectual burguês. Não é pobre alguém que mora num barraco e ganha o salário mínimo? Não é pobre alguém que detêm pouquíssima informação formal? Não é pobre aquele indivíduo que mesmo passando por anos de escola pública não consegue dar nome a classe que o domina e identificar visualmente uma conta de somar. É óbvio que a pobreza tem uma concepção abrangente e que dados não mensuráveis pela ciência estatística teriam que ser levados em consideração. A renda é um referencial importantíssimo, porque o poder aquisitivo pode comprar de informação a moradia. Achar que um determinado grupo de pessoas moradores de um determinado bairro que não têm uma renda básica, mas que têm uma relativa assistência do estado, não pode ser classificado com pobre, é como se infra-estrutura fosse um salário indireto que o poder público dá. Portanto, qualidade de vida básica ofertada pelo estado não pode eliminar esta população das estatísticas da pobreza, porque muitos bens de consumo, bens culturais e o próprio lazer, só podem ser adquiridos com renda monetária.
É possível que a tão decantada decadência da classe média, tem criado uma população, digamos, diferenciada de moradores da favela. Talvez a histórica e progressiva política de concentração de renda dos governos brasileiros, tenha gerado ao longo dos anos uma “classe média” favelada, oriunda de setores mais abastados da população.
Outro fator é a própria ascensão econômica destes moradores. Apesar de existir uma eficiente política de reciprocidade entre os favelados, devido a presença efetivado estado do estado, não falta oportunidade de negócios informais e mesmo formais, que geram renda e melhoria efetiva de qualidade de vida destes moradores. Até porque nos últimos anos houve um crescimento relativo de poder de compra da população de baixa renda, promovido principalmente pelo controle da inflação e programa assistenciais do governo federal. Embora não seja a solução, é fato.
O fato é que o morador da favela é estigmatizado por todos que o abordam. Recentemente no Jornal de horário nobre da Record, o apresentador diante da revolta dos moradores de uma favela carioca, queimando pneus, impedindo o trânsito, por causa da morte de uma criança por um tiro perdido que foi atribuído a polícia por ocasião do confronto com marginais, chamou os moradores de “baderneiros” e “vândalos, por causa de alguns excessos como saques a estabelecimentos.
O mote da notícia poderia ser a negligência histórica da ação do estado, no atendimento de necessidades básicas, o despreparo dos policiais técnico dos policiais, o desrespeito a vida etc., mas não, preferiu-se dá ênfase a ameaça a ordem e a propriedade, promovida pelos “vândalos” e “baderneiros” , moradores da favela.
O estigma é mais cruel, quando o próprio morador o incorpora em sua visão de mundo. Como o exemplo que a pesquisadora menciona da favela do Vidigal, quando as crianças se recusaram a entra pra lanchar na multinacional MacDonald’s por se acharem mal vestidos para entrarem do referido estabelecimento.
O arrazoado anterior tem uma conotação sincrônica, causal, portanto, histórica do fenômeno da favelização. Porém, a antropologia, por pretender o olhar totalizante sobre o homem, pode contribuir para a compreensão da população de bairros pobres habitado por autênticos brasileiros, produtores de uma cultura própria e que têm que ser respeitada em sua singularidade pelo estado e não ser apenas objeto de manipulação eleitoreira, da ação violenta do poder coercitivo ou muitas vezes ser discriminada pelos meios de comunicação.
O profissional de Serviço Social, terá que fazer em sua práxis, uma síntese interna, que resulte em ações práticas humanizadoras, entre sua formação acadêmica politicamente correta e a abordagem massificante, manipuladora do estado.
De diversas formas está colocado nos ombros dos indivíduos a responsabilidade sobre o outro, sobre o social. Porém, certas profissões têm um apelo diferenciado. É esta noção de quase um apostolado que o Profissional de Serviço Social deve ter.
A abordagem destas comunidades pelo estado terá que ter dentre outros, o suporte de profissionais do Serviço Social, ancorados numa formação antropológica que “respeitando as diferenças em termos de valores, crenças modos de ser e de agir, e todo o conjunto de manifestações coletivas que são própria de cada grupo social”. Possam prestar um serviço de qualidade para aqueles fisicamente inserido no espaço urbano das favelas.
O profissional de que sai de uma universidade neste país, faz parte grosso modo, de uma elite. Elite que se inspirou no modelo do branco europeu dominador, ainda que tenhamos formado, queiramos ou não, um caudal singular de raças, que a antropologia brasileira tanto estudou, e que nos deu uma identidade enquanto povo, única em relação a qualquer lugar deste planeta. Entretanto, a ideologia reverbera em velhos estereótipos de dominação racial e econômica que podem distorcer a visão de mundo de quem atua com tal público.
Normalmente o estado intervencionista burguês quando atua nestas áreas, carrega o ranço do paternalismo, da filantropia pública expressada na figura de políticos ou de mero assistencialismo, para manter “currais eleitorais” urbanos. O que pode minimizar tal tendência à ação crítica do profissional de Serviço Social. Cada vez, mais se reconhece que a ação ética individual, pode ter eficácia na produção de relações mais humanas, sem que esta ação tenha que ser expressa de forma oficial ou organizada. A micro-ação pode se expandir, porque aquele que num dado momento é objeto, adiante dela se tornará o sujeito.

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