quinta-feira, 28 de outubro de 2010

MINHA VIDA AGORA É JESUS

Outro dia fui oferecer um texto como sempre faço a uma transeunte e ela respondeu: “É de política? Não quero não. Minha vida agora é Jesus!”. Será que não leu os panfletos católicos de apoio a candidaturas? Ou não assistiu o horário eleitoral e viu pastores evangélicos pedindo votos? Será que nunca ouviu falar nas bancadas evangélicas nas Câmaras Legislativas Federais e Estaduais por esse país afora?
Essa resposta me fez refletir. As pessoas vêem a conversão, vêem aceitar Jesus, como uma forma de fugir da realidade. É como se a conversão colocasse as pessoas num mundo à parte. O mundo dos escolhidos de Deus que estão a esperar a Segunda Vinda de Cristo. Como se não mais trabalhassem, votassem ou pagassem impostos.
Seria bom, se nós nos convertêssemos e através da nossa fé, fôssemos abduzidos para um mundo celestial idealizado. Nesse mundo não existira políticos desonestos, tráfico e uso de drogas, crise de valores, desemprego, desarmonia familiar, violência, enfim, esse mundo seria o próprio paraíso.
Mas não é assim que funciona. Ao entregar à Segunda Vinda de Cristo a responsabilidade de transformação do mundo estamos atestando nossa falta de fé em nós mesmos. Estamos dizendo que não temos mais jeito e que só Deus pode nos salvar.
Dessa forma, estamos sendo coniventes com as almas iníquas que dominam o mundo e que vêem o próximo como um meio e não como o fim. Elas estão todos os dias a maquinar para dominar o outro. Almas que usam a mentira para tornar natural a desigualdade no ter, no poder e no saber, entre nós.
O que incomodaria mais a essas almas iníquas dominadoras do mundo temporal: milhões de católicos e evangélicos louvando ao Senhor, indo de casa em casa pregando as Boas Novas, ou milhões de trabalhadores, pessoas do povo, politizadas, conscientes e reivindicando seus direitos em sindicatos, em associações de bairros, etc.?
No Condomínio Recanto dos Pássaros, um morador morreu porque a tampa da fossa mal feita, dividida em duas partes e sem base de alvenaria rachou e ela morreu afogada em fezes. A maioria das outras fossas está nas mesmas péssimas condições. Eu pergunto: essa morte não poderia ter sido evitada? Será que foi obra da fatalidade? Será que estava na hora dessa pessoa morrer? Foi Deus que quis assim? Ou será que foi uma morte prematura, injusta e obra da negligência do poder público? Obra principalmente da nossa passividade e falta de consciência política.
Portanto, acredito que a conversão a Jesus deveria despertar mais amor ao próximo e indignação pelo que fazemos uns aos outros. Jesus pediu aos seus discípulos que se tornassem o sal do mundo. Será que esse tipo de conversão alienante que tira de nós a capacidade de tentar transformar esse mundo e entrega essa função a Deus, é positiva?
Jesus não desprezou o mundo temporal em sua vida aqui na Terra. Pelo contrário, estava tão inserido que os fariseus, os saduceus e as autoridades romanas conspiraram para crucificá-lo. O comportamento mundano do homem mudou ou foram os cristianismos que mudaram? Hoje as pessoas que se dizem cristãs estão tão inseridas nesse mundo iníquo que não mais se destacam das demais. A não ser por frases alienantes e escapistas como a que ouvi quando ofereci o texto: “É de política? Não quero não. Minha vida agora é Jesus!” Amém.
Professor Ari, O Iconoclasta. Esplanada, 28 de outubro de 2010, às 09h26min.
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