quinta-feira, 30 de junho de 2011

CABEÇA, IN MEMORIAN

A ele nunca soube me referi com outra expressão senão, Cabeça. Não sei se tinha a graça de José, Antonio, João ou qualquer outro nome. Pra mim ele era Cabeça, irmão de Pica-Pau. Ganhava a vida pintando as paredes das casas da nossa cidade. Dava cor as nossas vidas.
Voz pausada, andar indolente e uma ironia fina sobre as coisas da vida, certamente foi o que deu origem o significativo apelido de Cabeça. Nunca o vi se aborrecer com nada. Parece que ainda o ouço “tentando” me gritar impondo uma rouquidão proposital a voz sempre que me via: Areeeee! Como quem estava a dizer: “Se acalma. Sua agonia não vai te levar a nada”.
Boêmio convicto, portanto, mal-compreendido pelas mulheres. Jamais falou mal das que teve. Cabeça era dessas pessoas dotadas de uma serenidade nata. Não questionava sua vida, a dos outros, ou as relações que estabelecia pra viver. Simplesmente vivia.
E nesse simplesmente viver, costumava pescar sozinho. Passava dois a três dias recolhido na beira do rio. Talvez cansado da agitação citadina. Era discreto. Como bom observador da vida que era, gostava passar despercebido.
Um dia numa dessas pescarias um raio insensato o atingiu. Como em vida, seu corpo foi achado depois de alguns dias de procura, como que a imitar os recolhimentos pesqueiros que fazia.
Talvez, o raio da mãe natureza não tenha sido tão insensato assim. Talvez, o raio tenha sido mesmo é misericordioso, lhe poupando de assistir a estampidos trovejantes e cruéis que ceifarem vidas em seu universo familiar.
Na condição de remanescente dos românticos outsiders de Esplanada da década de 70, como o cantor Malaquias, o eletricista/baixista Zé Bubu, Cabeça, não tinha nada em sua biografia que desabonasse sua honra. No máximo era um rebelde dos costumes, das regras hipócritas da sociedade.
Fica então, Cabeça, a saudade e a compreensão íntima de que a importância de alguém, não se mede pelo número de pessoas que acompanham seu enterro ou pela pompa do seu ataúde, mas sim, pelos gestos, palavras e ações que funcionaram como pincéis na mente e nos corações daqueles que participaram da sua existência.
Embora não acredite que nada sobre depois desse corpo a não ser as obras feitas por nós durante a vida, se houver um depois, você vai ser uma das pessoas que vou fazer questão de rever. E como faria qualquer bom temente, eu lhe digo: que Deus o tenha num bom lugar.
Ari, O Iconoclasta. Esplanada, 03 de janeiro de 2011, às 23h12min.

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