segunda-feira, 29 de novembro de 2010

PRA ALEMÃO VER

Ao longo de mais de 20 anos de negligência o estado brasileiro assistiu quase que passivamente o crescimento do domínio territorial e a expansão acelerada do tráfico nos grandes centros urbanos do país, especialmente no Rio de Janeiro.
Finalmente o “bem” venceu o “mal”. Como costuma dizer nas entrevistas os comandantes dessa última operação no complexo de favelas do Morro do Alemão. As forças de inteligência e repressão do estado brasileiro se uniram e estão extirpando os quartéis-generais do crime organizado nos morros da Cidade Maravilhosa.
A população aliviada e feliz, porém ainda um pouco temerosa manda através de uma moradora uma carta anônima numa caixinha de fósforo entregue também anonimamente a uma repórter da Rede Globo. Nela, a moradora do morro do Alemão relembrou um trecho do samba da escola Imperatriz Leopoldinense, que, por sua vez, reproduz versos do Hino da Proclamação da República: “Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós”. Está assim simbolicamente representada no imaginário da moradora, a presença do estado como libertador do povo da opressão e da crueldade do tráfico nas favelas.
O maniqueísmo, ou seja, a luta do bem contra o mal e o final feliz, representado pelo domínio territorial das forças do estado, é literalmente um clichê dos roteiros dos filmes de Hollywood. Não podemos negar que depois que assistimos tais finais felizes, ficamos com a sensação de que temos que ter fé na humanidade. Mas lá no fundo fica um pouquinho de dúvida.
Principalmente, quando vemos que toda a infra-estrutura necessária para que o poder público se impusesse como força dominante nos morros do Rio, tais como o custo financeiro da operação, o planejamento, a união das três forças militares, o pesado arsenal e o apoio logístico por terra e ar, já existia há muito tempo. Então por que tudo isso não foi feito antes?
A resposta é simples. Nunca antes fomos sede de dois eventos seguidos de importância mundial: as Olimpíadas e mais uma Copa do Mundo. Eis, a preocupação imediata do estado brasileiro. Melhorar a imagem do Brasil mundo a fora e oferecer condições reais de segurança para a realização desses eventos de repercussão mundial.
Se não fosse esse estímulo externo o estado brasileiro iria continua “convivendo” com o tráfico de drogas, com gato net, transporte clandestino, distribuição de terras, venda de bujões de gás, venda de voto e venda de segurança. Será que a simples ocupação física nas favelas ocupadas pelas unidades da polícia pacificadora, encerra todos esses problemas?
O que chateia é ver o êxtase ingênuo da população favelada do Rio ao se achar o principal motivo da ocupação das favelas pelas forças do Estado e a conseqüente retirada dos traficantes. Não sabe ela que o estado está preocupado apenas em produzir e vender sua imagem de eficiência para o mundo, no combate ao crime organizado.
O que se espera é que essas ações exitosas durem até a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Talvez, até lá, o estado brasileiro tome gosto, e assim, além da mera presença repressiva e pacificadora, ocupe também as favelas brasileiras com a infra-estrutura necessária para torná-las verdadeiras comunidades de bairro.
Ari, O Iconoclasta. Esplanada, 26 de novembro de 2010, às 22h06min.

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